15/08/2018

A Igreja da América Latina e os 50 anos de Medellín

Artigo: Dom João José Costa, Arcebispo Metropolitano de Aracaju
A Igreja Católica comemora os 50 anos da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, que se realizou em Medellín, na Colômbia, no período de 24 de agosto a 6 de setembro de 1968. Ali, os Bispos da sofrida América Latina puderam expor as suas angústias e renovar as suas esperanças nas práticas pastorais, que pudessem alcançar de forma mais efetiva os povos de língua espanhola e portuguesa.
Naquele momento, a Igreja vivia momentos de efervescência, logo após a conclusão do Concilio Vaticano II, que preparou a Igreja de Jesus Cristo para os desafios do mundo que, politicamente, se dividia entre o capitalismo e o comunismo. Era preciso que a Igreja, através de seus pastores pudesse compreender as necessidades de um mundo que passava por mudanças significativas nos planos social, econômico, familiar e religioso.
Os embates entre as nações giravam em torno dos dois blocos que dividiam o mundo, como já foi dito acima, ou seja, o capitalismo e o comunismo. Com a visão aberta que foi trazida pelo Concílio, inaugurado pelo Papa João XXII, hoje, São João XXIII, e concluído pelo Papa Paulo VI, que em outubro será canonizado pelo Papa Francisco, fazia-se preciso que a Doutrina Social da Igreja assumisse um lugar de destaque na vida não somente dos católicos, mas, também, das pessoas de boa vontade.
A América Latina, onde o capitalismo enriquecia, cada vez mais, um grupo seleto e deixando na pobreza, ou, por vezes, na própria miséria, muitos milhões de pessoas, a Igreja precisava levantar a sua voz profética para anunciar que Jesus Cristo veio para todos, que a graça de Deus não fazia, como não faz, acepção de pessoas e que todos tinham, como deveras têm, o direito inalienável e sagrado de viver com dignidade. Afinal, Deus é Pai de todos. 
A Conferência foi convocada pelo Papa Paulo VI. Os ensinamentos do Concílio Vaticano II precisavam, pois, ser aplicados às necessidades da Igreja presente na América Latina. A temática proposta foi “A Igreja na presente transformação da América Latina à luz do Concílio Vaticano II”. A abertura da Conferência foi feita pelo próprio Papa que marcou a primeira visita de um pontífice à América Latina.

Durante os três anos de duração do Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965, os padres conciliares latino-americanos mantiveram várias reuniões do CELAM – Conselho Episcopal Latino-americano – em Roma. Ali brotou a ideia de propor ao Santo Padre a realização da segunda Conferência Geral. 
Em 1966 a presidência do CELAM apresentou a Paulo VI a proposta da nova Conferência. O pontífice a acolheu com entusiasmo e a convocou para se realizar em Medellín.
A Conferência foi inaugurada por Paulo VI na catedral de Bogotá, no dia 24 de agosto, por ocasião do XXXIX Congresso Eucarístico Internacional. Dela participaram 86 bispos, 45 arcebispos, 6 cardeais, 70 sacerdotes e religiosos, 6 religiosas, 19 leigos e 9 observadores não católicos, presididos pelo Cardeal Antônio Samoré, presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, e por Dom Avelar Brandão Vilela, então arcebispo de Teresina e presidente do CELAM. No total, participaram 137 bispos com direito a voto e 112 delegados e observadores.
Em seu discurso inaugural, Paulo VI destacou a secularização, que ignorava a referência essencial à verdade religiosa, e a oposição – pretendida por alguns – entre a Igreja chamada institucional e a Igreja denominada carismática. O pontífice também evidenciou sua preocupação com os problemas doutrinários que se percebiam no imediato pós-concílio. Insistiu em promover a justiça e a paz, alertando diante da tática do marxismo ateu de provocar a violência e a rebelião sistemática, e de gerar o ódio como instrumento para alcançar a dialética de classes. Mas, também, advertiu para os tentáculos do capitalismo selvagem que dificultava a promoção do homem integral e integrado.  
Três foram os grandes temas de Medellín: Promoção humana; Evangelização e crescimento na fé; Igreja visível e suas estruturas. Foram produzidos 16 documentos, no horizonte dos três grandes temas citados: I) Justiça, Paz, Família, Demografia, Educação, Juventude. II) Pastoral popular, Pastoral de elites, Catequese, Liturgia. III) Movimentos de Leigos, Sacerdotes, Religiosos, Formação do Clero, Pobreza da Igreja, Pastoral de Conjunto, Meios de Comunicação.
Ganharam grande repercussão os documentos sobre a Justiça, a Paz e a Pobreza da Igreja. Diante da relevância e impacto desses documentos, elementos característicos de Medellín foram as reflexões sobre pobreza e libertação.
A partir daquela Conferência, o Episcopado Latino-Americano não poderia ficar indiferente ante as tremendas injustiças sociais existentes no Continente, que mantinha, e, em parte, ainda mantém, parcela significativa de nossos povos numa dolorosa pobreza, que em muitos casos chega a ser miséria humana.
A partir das lições do Evangelho de Jesus Cristo todos as pessoas necessitam de profunda conversão para que chegue a nós o “Reino de justiça, de amor e de paz”.
Passados 50 anos desde a Conferência de Medellín, a Igreja na América Latina ainda tem um longo caminho a percorrer para ir ao encontro dos irmãos e das irmãs que ainda sofrem, que ainda se acham em estado de absoluta pobreza, muitas vezes sem o mínimo indispensável para manter uma vida digna.
Será preciso que os cristãos católicos possam tomar consciência verdadeiramente de que o Reino de Deus foi anunciado para todos. E a expansão do Reino depende de todos nós. É através da oração e da ação que poderemos renovar o mundo. Oração e ação devem ser indissociáveis. Jesus nos deu o exemplo: Ele orou e agiu. Precisamos seguir esse exemplo.
A Conferência de Medellín não pode ficar no esquecimento. Oxalá, a Igreja reveja os seus documentos, reexamine as suas diretrizes e evidencie o que foi deixado para trás.
Medellín foi uma espécie de ponto de partida. Precisamos continuar para alcançar o ponto de chegada. Isso só poderá ser possível através de uma Igreja ativa, posta em permanente saída, como nos ensina o Papa Francisco.