Artigo: Dom João José
Costa, Arcebispo Metropolitano de Aracaju
A Igreja
Católica comemora os 50 anos da Segunda Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano, que se realizou em Medellín,
na Colômbia, no período de 24 de agosto a 6 de
setembro de 1968. Ali, os Bispos da sofrida América Latina puderam
expor as suas angústias e renovar as suas esperanças nas práticas pastorais,
que pudessem alcançar de forma mais efetiva os povos de língua espanhola e
portuguesa.
Naquele
momento, a Igreja vivia momentos de efervescência, logo após a conclusão do
Concilio Vaticano II, que preparou a Igreja de Jesus Cristo para os desafios do
mundo que, politicamente, se dividia entre o capitalismo e o comunismo. Era
preciso que a Igreja, através de seus pastores pudesse compreender as
necessidades de um mundo que passava por mudanças significativas nos planos
social, econômico, familiar e religioso.
A América
Latina, onde o capitalismo enriquecia, cada vez mais, um grupo seleto e
deixando na pobreza, ou, por vezes, na própria miséria, muitos milhões de
pessoas, a Igreja precisava levantar a sua voz profética para anunciar que
Jesus Cristo veio para todos, que a graça de Deus não fazia, como não faz,
acepção de pessoas e que todos tinham, como deveras têm, o direito inalienável
e sagrado de viver com dignidade. Afinal, Deus é Pai de todos.
A
Conferência foi convocada pelo Papa Paulo VI. Os ensinamentos do Concílio
Vaticano II precisavam, pois, ser aplicados às necessidades da Igreja presente
na América Latina. A temática proposta foi “A Igreja na presente transformação
da América Latina à luz do Concílio Vaticano II”. A abertura da Conferência foi
feita pelo próprio Papa que marcou a primeira visita de
um pontífice à América Latina.
Durante os
três anos de duração do Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965,
os padres conciliares latino-americanos mantiveram várias reuniões
do CELAM – Conselho Episcopal Latino-americano – em Roma. Ali
brotou a ideia de propor ao Santo Padre a realização da segunda
Conferência Geral.
Em 1966 a
presidência do CELAM apresentou a Paulo VI a proposta da
nova Conferência. O pontífice a acolheu com entusiasmo e a convocou
para se realizar em Medellín.
A
Conferência foi inaugurada por Paulo VI na catedral de Bogotá,
no dia 24 de agosto, por ocasião do XXXIX Congresso Eucarístico
Internacional. Dela participaram 86 bispos, 45 arcebispos, 6 cardeais, 70
sacerdotes e religiosos, 6 religiosas, 19 leigos e 9 observadores não
católicos, presididos pelo Cardeal Antônio Samoré, presidente
da Pontifícia Comissão para a América Latina, e por Dom Avelar
Brandão Vilela, então arcebispo de Teresina e presidente
do CELAM. No total, participaram 137 bispos com direito a voto e 112
delegados e observadores.
Em seu
discurso inaugural, Paulo VI destacou a secularização, que ignorava a
referência essencial à verdade religiosa, e a oposição – pretendida por alguns
– entre a Igreja chamada institucional e a Igreja denominada
carismática. O pontífice também evidenciou sua preocupação com os
problemas doutrinários que se percebiam no imediato pós-concílio. Insistiu em
promover a justiça e a paz, alertando diante da tática
do marxismo ateu de provocar a violência e a rebelião sistemática, e
de gerar o ódio como instrumento para alcançar a dialética de classes. Mas,
também, advertiu para os tentáculos do capitalismo selvagem que dificultava a
promoção do homem integral e integrado.
Três foram
os grandes temas de Medellín: Promoção humana; Evangelização e crescimento
na fé; Igreja visível e suas estruturas. Foram produzidos 16 documentos, no
horizonte dos três grandes temas citados: I) Justiça, Paz, Família, Demografia,
Educação, Juventude. II) Pastoral popular, Pastoral de elites, Catequese,
Liturgia. III) Movimentos de Leigos, Sacerdotes, Religiosos, Formação do Clero,
Pobreza da Igreja, Pastoral de Conjunto, Meios de Comunicação.
Ganharam
grande repercussão os documentos sobre a Justiça, a Paz e a Pobreza da Igreja.
Diante da relevância e impacto desses documentos, elementos característicos de
Medellín foram as reflexões sobre pobreza e libertação.
A partir
daquela Conferência, o Episcopado Latino-Americano não poderia ficar
indiferente ante as tremendas injustiças sociais existentes no Continente, que
mantinha, e, em parte, ainda mantém, parcela significativa de nossos povos numa
dolorosa pobreza, que em muitos casos chega a ser miséria humana.
A partir das
lições do Evangelho de Jesus Cristo todos as pessoas necessitam de profunda
conversão para que chegue a nós o “Reino de justiça, de amor e de paz”.
Passados 50
anos desde a Conferência de Medellín, a Igreja na América Latina ainda tem um
longo caminho a percorrer para ir ao encontro dos irmãos e das irmãs que ainda
sofrem, que ainda se acham em estado de absoluta pobreza, muitas vezes sem o
mínimo indispensável para manter uma vida digna.
Será preciso
que os cristãos católicos possam tomar consciência verdadeiramente de que o
Reino de Deus foi anunciado para todos. E a expansão do Reino depende de todos
nós. É através da oração e da ação que poderemos renovar o mundo. Oração e ação
devem ser indissociáveis. Jesus nos deu o exemplo: Ele orou e agiu. Precisamos
seguir esse exemplo.
A
Conferência de Medellín não pode ficar no esquecimento. Oxalá, a Igreja reveja
os seus documentos, reexamine as suas diretrizes e evidencie o que foi deixado
para trás.
Medellín
foi uma espécie de ponto de partida. Precisamos continuar para alcançar o ponto
de chegada. Isso só poderá ser possível através de uma Igreja ativa, posta em
permanente saída, como nos ensina o Papa Francisco.