O episcopado
brasileiro, reunido em sua 57ª Assembleia Geral, que vai de 1º a 10 de maio
em Aparecida (SP), emitiu hoje a “Mensagem da CNBB ao povo brasileiro”.
No documento, os bispos alertam que "a opção por um liberalismo
exacerbado e perverso, que desidrata o Estado quase ao ponto de eliminá-lo,
ignorando as políticas sociais de vital importância para a maioria da
população, favorece o aumento das desigualdades e a concentração de renda em
níveis intoleráveis, tornando os ricos mais ricos, à custa dos pobres cada
vez mais pobres".
A violência,
conforme aponta a mensagem, atinge níveis insuportáveis. “Aos nossos
ouvidos de pastores chega o choro das mães que enterram seus filhos jovens
assassinados, das famílias que perdem seus entes queridos e de todas as vítimas
de um sistema que instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas pela
indiferença. O feminicídio, o submundo das prisões e a criminalização
daqueles que defendem os direitos humanos reclamam vigorosas ações
em favor da vida e da dignidade humana”, diz o texto.
Segundo o
documento, “o verdadeiro discípulo de Jesus terá sempre no amor, no diálogo
e na reconciliação a via eficaz para responder à violência e à falta de
segurança, inspirado no mandamento 'Não matarás', e não em projetos
que flexibilizem a posse e o porte de armas”.
Sobre as necessárias
reformas política, tributária e da previdência, os bispos afirmam na
mensagem que elas só se legitimam se feitas em vista do bem comum e com
participação popular, de forma a atender, em primeiro lugar, os pobres.
“O Brasil que queremos emergirá do comprometimento de todos os brasileiros
com os valores que têm o Evangelho como fonte da vida, da justiça e do amor”,
afirma o texto.
Veja abaixo
a mensagem na íntegra:
MENSAGEM DA CNBB AO POVO BRASILEIRO
“Eis que
faço novas todas as coisas” (Ap 21,5)
Suplicando a
assistência do Espírito Santo, na comunhão e na unidade, nós, Bispos
do Brasil, reunidos na 57ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil-CNBB, no Santuário Nacional, em Aparecida-SP, de 1
a 10 de maio de 2019, dirigimos nossa mensagem ao povo brasileiro,
tomados pela ternura de pastores que amam e cuidam do rebanho. Desejamos que as
alegrias pascais, vividas tão intensamente neste tempo, renovem, no coração e
na mente de todos, a fé em Jesus Cristo Crucificado-Ressuscitado, razão
de nossa esperança e certeza de nossa vitória sobre tudo que nos aflige.
“Eis que
estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20)
Enche-nos de
esperançosa alegria constatar o esforço de nossas comunidades e
inúmeras pessoas de boa vontade em testemunhar o Evangelho de Jesus Cristo,
comprometidas com a vivência do amor, a prática da justiça e o serviço aos
que mais necessitam. São incontáveis os sinais do Reino de Deus entre nós a
partir da ação solidária e fraterna, muitas vezes anônima, dos que
consomem sua vida na transformação da sociedade e na construção da
civilização do amor. Por essa razão, a esperança e a alegria, frutos da
ressurreição de Cristo, hão de ser a identidade de todos os cristãos.
Afinal, quando deixamos que o Senhor nos tire de nossa comodidade e mude a
nossa vida, podemos cumprir o que ordena São Paulo: ‘Alegrai-vos sempre no
Senhor! De novo o digo: alegrai-vos!’ (Fl 4,4) (cf. Papa Francisco, Exortação
Apostólica Gaudete et Exultate, 122).
“No mundo
tereis aflições, mas tende coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33).
Longe de nos
alienar, a alegria e a esperança pascais abrem nossos olhos para
enxergarmos, com o olhar do Ressuscitado, os sinais de morte que ameaçam
os filhos e filhas de Deus, especialmente, os mais vulneráveis.
Estas situações são um apelo a que não nos conformemos com este mundo, mas o
transformemos (cf. Rm 12,2), empenhando nossas forças na superação do que se
opõe ao Reino de justiça e de paz inaugurado por Jesus.
A crise
ética, política, econômica e cultural tem se aprofundado cada vez mais
no Brasil. A opção por um liberalismo exacerbado e perverso, que
desidrata o Estado quase ao ponto de eliminá-lo, ignorando as políticas
sociais de vital importância para a maioria da população, favorece o
aumento das desigualdades e a concentração de renda em níveis intoleráveis,
tornando os ricos mais ricos à custa dos pobres cada vez mais pobres, conforme
já lembrava o Papa João Paulo II na Conferência de Puebla (1979). Nesse
contexto e inspirados na Campanha da Fraternidade deste ano, urge
reafirmar a necessidade de políticas públicas que assegurem a
participação, a cidadania e o bem comum. Cuidado especial merece a educação,
gravemente ameaçada com corte de verbas, retirada de disciplinas necessárias à
formação humana e desconsideração da importância das pesquisas.
A corrupção,
classificada pelo Papa Francisco como um “câncer social” profundamente
radicada em inúmeras estruturas do país, é uma das causas da pobreza e da
exclusão social na medida em que desvia recursos que poderiam se destinar
ao investimento na educação, na saúde e na assistência social, caminho de
superação da atual crise. A eficácia do combate à corrupção passa também
por uma mudança de mentalidade que leve a pessoa compreender que seu valor
não está no ter, mas no ser e que sua vida se mede não por sua capacidade de
consumir, mas de partilhar.
O crescente
desemprego, outra chaga social, ao ultrapassar o patamar de 13 milhões de
brasileiros, somados aos 28 milhões de subutilizados, segundo dados do
IBGE, mostra que as medidas tomadas para combatê-lo, até agora, foram
ineficazes. Além disto, é necessário preservar os direitos dos trabalhadores
e trabalhadoras. O desenvolvimento que se busca tem, no trabalho digno,
um caminho seguro desde que se respeite a primazia da pessoa sobre o mercado e
do trabalho sobre o capital, como ensina a Doutrina Social da Igreja.
Assim, “a dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que
deveriam estruturar toda a política econômica, mas às vezes parecem somente
apêndices adicionados de fora para completar um discurso político sem
perspectivas nem programas de verdadeiro desenvolvimento integral” (Papa
Francisco, Evangelii Gaudium, 203).
A violência
também atinge níveis insuportáveis. Aos nossos ouvidos de pastores
chega o choro das mães que enterram seus filhos jovens assassinados, das
famílias que perdem seus entes queridos e de todas as vítimas de um sistema que
instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas pela indiferença. O feminicídio,
o submundo das prisões e a criminalização daqueles que defendem os direitos
humanos reclamam vigorosas ações em favor da vida e da dignidade humana. O verdadeiro
discípulo de Jesus terá sempre no amor, no diálogo e na reconciliação a via
eficaz para responder à violência e à falta de segurança, inspirado no
mandamento “Não matarás” e não em projetos que flexibilizem a posse e o porte
de armas.
Precisamos
ser uma nação de irmãos e irmãs, eliminando qualquer tipo de discriminação,
preconceito e ódio. Somos responsáveis uns pelos outros. Assim, quando os
povos originários não são respeitados em seus direitos e costumes, neles o
Cristo é desrespeitado: “Todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes
mais pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25,45). É grave a
ameaça aos direitos dos povos indígenas assegurados na Constituição de 1988. O
poder político e econômico não pode se sobrepor a esses direitos sob o risco de
violação da Constituição.
A
mercantilização das terras indígenas e quilombolas nasce do desejo desenfreado
de quem ambiciona acumular riquezas. Nesse contexto, tanto as
atividades mineradoras e madeireiras quanto o agronegócio precisam rever seus
conceitos de progresso, crescimento e desenvolvimento. Uma economia que coloca
o lucro acima da pessoa, que produz exclusão e desigualdade social, é uma
economia que mata, como nos alerta o Papa Francisco (EG 53). São emblemático
exemplo disso os crimes ocorridos em Mariana e Brumadinho com o rompimento das
barragens de rejeitos de minérios.
As
necessárias reformas política, tributária e da previdência só se
legitimam se feitas em vista do bem comum e com participação popular de forma a
atender, em primeiro lugar, os pobres, “juízes da vida democrática de uma
nação” (Exigências éticas da ordem democrática, CNBB – n. 72). Nenhuma
reforma será eticamente aceitável se lesar os mais pobres. Daí a
importância de se constituírem em autênticas sentinelas do povo as Igrejas, os
movimentos sociais, as organizações populares e demais instituições e grupos
comprometidos com a defesa dos direitos humanos e do Estado Democrático de
Direito. Instâncias que possibilitam o exercício da democracia participativa
como os Conselhos paritários devem ser incentivadas e valorizadas e não
extintas como estabelece o decreto 9.759/2019.
“Buscai em
primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça” (Mt 6,33)
O Brasil que
queremos emergirá do comprometimento de todos os brasileiros com os valores que
têm o Evangelho como fonte da vida, da justiça e do amor. Queremos uma
sociedade cujo desenvolvimento promova a democracia, preze conjuntamente a liberdade
e a igualdade, respeite as diferenças, incentive a participação dos jovens,
valorize os idosos, ame e sirva os pobres e excluídos, acolha os
migrantes, promova e defenda a vida em todas as suas formas e expressões,
incluído o respeito à natureza, na perspectiva de uma ecologia humana e
integral.
As novas
Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, que
aprovamos nesta 57ª Assembleia da CNBB, e o Sínodo para a
Pan-Amazônia, a se realizar em Roma, em outubro deste ano, ajudem no
compromisso que todos temos com a construção de uma sociedade desenvolvida,
justa e fraterna.
Lembramos
que “o desenvolvimento tem necessidade de cristãos com os braços levantados
para Deus em atitude de oração, cristãos movidos pela consciência de que o amor
cheio de verdade – caritas in veritate -, do qual procede o desenvolvimento
autêntico, não o produzimos nós, mas nos é dado” (Bento XVI, Caritas in
veritate, 79). O caminho é longo e exigente, contudo, não nos esqueçamos de que
“Deus nos dá a força de lutar e sofrer por amor do bem comum, porque Ele é o
nosso Tudo, a nossa esperança maior” (Bento XVI, Caritas in veritate, 78).
A Virgem
Maria, mãe do Ressuscitado, nos alcance a perseverança no caminho do amor, da
justiça e da paz.
Aparecida-SP,
7 de maio de 2019.