O Papa Francisco apresentou no dia 9 de abril, a
Exortação Apostólica ‘Gaudete et Exsultate’, com indicações sobre como viver a
santidade – um chamado que é para todos – em um mundo que apresenta tantos
desafios à fé. Na abertura do documento, o Santo Padre fala sobre o espírito de
alegria.
Conforme explica o Pontífice, nós nos tornamos santos vivendo as
bem-aventuranças, o caminho principal que é “contra a corrente” em relação à
direção do mundo atual. O chamado à santidade é para todos, porque a Igreja
sempre ensinou que é um chamado universal e possível a qualquer um, como
demonstrado pelos muitos santos.
Não é um “tratado”, mas um convite
O título “Gaudete et Exsultate”, “Alegrai-vos e exultai,” repete as
palavras que Jesus dirige “aos que são perseguidos ou humilhados por causa
dele”.
Os 177 parágrafos não são – adverte o Papa Francisco – “um tratado sobre
a santidade, com muitas definições e distinções”, mas uma maneira de “fazer
ressoar mais uma vez o chamado à santidade”, indicando “os seus riscos,
desafios e oportunidades”.
A classe média da santidade
Antes de mostrar o que fazer para se tornar santos, o Papa Francisco se
detém no primeiro capítulo sobre o “chamado à santidade” e reafirma: há um
caminho de perfeição para cada um e não faz sentido desencorajar-se, contemplando
“modelos de santidade que lhe parecem inatingíveis” ou procurando “imitar algo
que não foi pensado para si”.
“Os santos, que já chegaram à presença de Deus”, nos “protegem, amparam
e acompanham” , afirma o Pontífice. Mas, acrescenta, a santidade a que Deus nos
chama, irá crescendo com “pequenos gestos” (n. 16 ) cotidianos, tantas vezes
testemunhados por “quem vive próximos de nós”, a “classe média de santidade”.
Razão como um Deus
No segundo capítulo, Papa Francisco descreve aqueles que define como “dois
inimigos sutis da santidade”, já várias vezes objeto de reflexão, entre outras
oportunidades, nas Missas na Casa Santa Marta, na Exortação Apostólica
Evangelii Gaudium, bem como no recente documento da Doutrina da Fé, Placuit
Deo.
Trata-se de “gnosticismo” e “pelagianismo”, duas heresias que surgiram
nos primeiros séculos do cristianismo, mas permanecem atualidade.
O gnosticismo – observa – é uma autocelebração de “uma mente sem
encarnação, incapaz de tocar a carne sofredora de Cristo nos outros, engessada
numa enciclopédia de abstrações”.
Para o Papa, trata-se de uma “vaidosa superficialidade”, que pretende
“reduzir o ensinamento de Jesus a uma lógica fria e dura que procura dominar
tudo”. E ao desencarnar o mistério, preferem – como disse em uma Missa na Santa
Marta – “um Deus sem Cristo, um Cristo sem Igreja, uma Igreja sem povo “.
Adoradores da vontade
O neo-pelagianismo é, segundo Francisco, outro erro gerado pelo
gnosticismo. O objeto de adoração passa a ser certo “esforço pessoal”, uma
vontade sem humildade que “sente-se superior aos outros por cumprir
determinadas normas”, ou por ser fiel “a um certo estilo católico”.
“A obsessão pela lei”, “o fascínio de exibir conquistas sociais e
políticas”, ou “a ostentação no cuidado da liturgia, da doutrina e do prestígio
da Igreja” são para o Papa, entre outros, alguns traços típicos de cristãos que
“não se deixam guiar pelo Espírito no caminho do amor”.
Francisco, por outro lado, lembra que é sempre o dom da graça que ultrapassa
“as capacidades da inteligência e as forças da vontade humana”. Às vezes,
constata o Santo Padre, “complicamos o Evangelho e tornamo-nos escravos de um
esquema”.
Oito caminhos de santidade
Além de todas as “teorias sobre o que é santidade”, existem as
Bem-aventuranças. Francisco coloca-as no centro do terceiro capítulo, afirmando
que com esse discurso Jesus “explicou, com toda a simplicidade, o que é ser
santo”.
O Papa as repassa uma a uma. Da pobreza de coração – que também
significa austeridade da vida – ao reagir “com humilde mansidão” em um mundo
onde se combate em todos os lugares.
Da “coragem” de deixar-se “traspassar” pela dor dos outros e ter
“compaixão” por eles – enquanto ” o mundano ignora, olha para o lado” – à sede
de justiça.
“A realidade mostra-nos como é fácil entrar nas súcias da corrupção,
fazer parte dessa política diária do “dou para que me deem”, onde tudo é
negócio. E quantos sofrem por causa das injustiças, quantos ficam assistindo,
impotentes, como outros se revezam para repartir o bolo da vida”.
Do “olhar e agir com misericórdia”, o que significa ajudar os outros “e
até mesmo perdoar” , “manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor” por
Deus e o próximo, isto é santidade. (n.86).
E finalmente, do “semear a paz” e “amizade social” com “serenidade,
criatividade, sensibilidade e destreza” – conscientes da dificuldade de lançar
pontes entre pessoas diferentes – ao aceitar também as perseguições, porque
hoje a coerência às Bem-aventuranças “pode ser mal vista, suspeita, ridicularizada”
e, no entanto, não se pode esperar, para viver o Evangelho, que tudo à nossa
volta seja favorável” .
A grande regra do comportamento
Uma dessas bem-aventuranças, “Bem-aventurados os misericordiosos”,
contém, para Francisco, “a grande regra de comportamento” dos cristãos, aquela
descrita por Mateus no capítulo 25 do “Juízo Final”. Francisco explica que “ser
santo não significa revirar os olhos num suposto êxtase”, mas viver Deus por
meio do amor aos últimos.
Infelizmente, observa o Papa, existem ideologias que “mutilam o
Evangelho”. Por um lado, cristãos sem um relacionamento com Deus, que
transformam o cristianismo “numa espécie de ONG, privando-o daquela
espiritualidade irradiante” vivida por São Francisco de Assis, São Vicente de
Paulo, Santa Teresa de Calcutá.
Por outro, aqueles que “suspeitam do compromisso social dos outros”,
considerando-o como se fosse algo de superficial, mundano, secularizado,
imamentista, “comunista ou populista”, ou “o relativizam” em nome de uma
determinada ética.
Aqui o Papa reafirma que “a defesa do inocente nascituro, por exemplo,
deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade
da vida humana, sempre sagrada”.
Mesmo a acolhida dos migrantes – que alguns católicos, observa,
gostariam que fosse menos importante do que a bioética – é um dever de todo
cristão, porque em todo estrangeiro existe Cristo, e “não se trata da invenção
de um Papa, nem de um delírio passageiro”.
“Gastar-se” nas obras de misericórdia
Assim, observou que “gozar a vida” como nos convida a fazer o
“consumismo hedonista”, é o oposto do desejar dar glórias a Deus, que pede para
nos “gastarmos” nas obras de misericórdia.
No quarto capítulo, Francisco repassa as características
“indispensáveis” para entender o estilo de vida da santidade: “perseverança,
paciência e mansidão”, “alegria e senso de humor”, “audácia e fervor”.
O caminho da santidade vivido como caminho “em comunidade” e “em
constante oração”, que chega à “contemplação”, não entendida como “evasão que
nega o mundo que nos rodeia”.
Luta vigilante e inteligente
O Papa conclui no quinto capítulo convidando ao “combate” contra o
“Maligno que, escreve ele, não é “um mito”, mas “um ser pessoal que nos
atormenta”.
“Quem não quiser reconhecê-lo, ver-se-á exposto ao fracasso ou à
mediocridade”. As suas maquinações, indica, devem ser contrastadas com a
“vigilância”, usando as “armas poderosas” da oração, a adoração eucarística, os
Sacramentos e com uma vida permeada pela caridade.
Importante, continua Francisco, é também o “discernimento”,
particularmente em uma época “que oferece enormes possibilidades de ação e
distração” – das viagens ao tempo livre, ao uso descontrolado da tecnologia –
“que não deixam espaços vazios onde ressoa a voz de Deus “. Francisco pede
cuidados especiais para os jovens, muitas vezes “expostos a um constante
zapping”, em mundos virtuais distantes da realidade.
“Não se faz discernimento para descobrir o que mais podemos derivar
dessa vida, mas para reconhecer como podemos cumprir melhor a missão que nos
foi confiada no Batismo.”